Mais uma vez
a madrugada cumpre seu destino
e eu mais
uma vez estou aqui
meço a
dimensão do horizonte
milhões de
janelas iluminadas
dão a
dimensão exata das milhões de presenças
entre elas
tu
coberto pela
névoa
um rosto
debruçado sem traços
é também
presença nesta noite
e me
pergunto quem és
o fim do voo
ou o início da viagem
arame ou
placenta?
Quem és?
assim, vindo
de tão longe...
sem rumos...
sem regressos
locupletando-se
na paisagem da noite
serás
maresias ou abismos
dia ou noite
alguém sentado
na soleira
ou alguém
que brinca com as estrelas
aonde vais
assim tão longe
e tão perto
do céu
viajas sem
bagagem?
Vai ficando
ou vai mudando
laranja
mágico
ou pólvora
saberás me
falar de tempos ou de prenúncios
tu que aí se
escondes
em decúbito
com as nuvens
serás o
navegante ou a bússola
serás o
barqueiro que atravessas o rio
ou o próprio
barco riscando a água
o remanso ou
o sono
o córrego ou
a colmeia
porque tocas
flauta para o sol?
porque tão
de relâmpago e tão de libélula
vou ao tato
e te
encontro no casulo
dormindo na
tua cesta de eras
por que não
deixas ninguém entrar por esta fresta?
Porque
brincas com a agonia?
Onde estás?
Sobre as
mãos do vento
ou no hálito
da terra
deixarás o
trinco aberto ou pregarás com imensos pregos a tua imensa porta
porque tão
próximo e tão distante?
Subindo o
poço? Ou atravessando a ponte?
Uma passagem
para as gaivotas
ou um
alçapão dentro das horas?
há que
nascer
há que
crescer
há que
alastrar de esperança a tua chegada
alguém te
protege dos ruídos da noite?
ou será que
dormes com as estrelas?
Vives de
instantes ou de sons e sinos?
Estás nos
espelhos
ou vens com
as marés?
serás grão
ou colheita
serás o
instante ou o extremo?
Como será o
teu rosto
ou não os
terá
será uma
margem
será um
pranto
será uma
amora...
será um
pombo ou um tigre
em que
andaimes te escondes que o sol sempre chega primeiro
em que
longitude silenciosa escondes a tua alma?
Em que
espaço voa este pássaro?
Será mesmo
pássaro ou um cristal?
Será que voa
ou só ressoa
serás que
caminhas ou só repousas
onde estás
nesta madrugada...
tecerei um
fio de ponta a ponta da cidade e descobrirei na tua moradia de nuvens
e me
vestirei de espaço
e te
convidarei para brincar comigo de armadilha no infinito...
mas será
mesmo que eu quero te achar?
Não! Eu não
quero te achar
Eu só quero
chegar de manso...
sem fazer
barulho
nem explicar
nem decidir
regar o
jardim que te dei
podar a
árvore que te ofereci
colocar o
sol no lugar certo
pendurar o
arco-íris e as nuvens
e quem sabe
deixar uma estrela para tuas noites...
aí vou
tirar a minha roupa de jardineiro e deixar encostada nas raízes da tua árvore
e sairei sem
olhar para trás
silenciosa e
mansa assim como um dia cheguei
porque será
tempo de ir
talvez mais
adiante onde ninguém me alcance poderei deitar na relva e chorar...
VAI
figura de
papel sonâmbula e abstrata
vai para bem
longe
leve este
teu corpo de celofane
leva os teus
poros de vento
este teu
corpo sem tempo
estes teus
olhos de estátua
este teu
cheiro de mormaço
tuas
palavras de água
teus sonhos
que relincham
pisa com
teus cascos o meu rosto
morde todas
as minhas palavras
esquece que
um dia cheguei
fura os meus
olhos
costura a
minha boca
senta sobre
o meu coração
porque eu
quero ir embora
ficar na
sombra
rolar na
grama
me esgarçar
rasgar os
meus pés em vidros
atravessar
espelhos e deixar meu corpo navegando em sangue
espremer a
fruta fortemente em minhas mãos e jogá-la no lixo
eu quero me
mudar
ir com o
primeiro trem que passar
sem saber
para onde eu vou
e da janela
dar adeus a gaivota
quero a
metáfora
e fazer um
pacto com a liberdade
e também não
quero saber onde vai terminar esta dor
quero um cão
grande e bravo para guardar meu coração
e não quero
me emprestar a mais ninguém
vai o mais rápido possível
e não me
peça para falar de estrelas
porque o céu
que as abrigava está oco
não mova em
gesto para me segurar porque meus olhos já rondaram o universo
e não vá me
esperar aonde o trem fizer a curva porque eu não tenho
mais versos
para te dar
não tente
iluminar o meu caminho com um fósforo porque meus olhos
vão rejeitar
a tua luminosidade
vai mais
rápido que eu quero ficar no efêmero
só
quero ser
palha
opaca e
quebrada
quero apenas
ser uma estampa no meu espaço
quero um
guardião armado para ferir este sentimento que te vincula
em mim
eu vou ficar
nas estações que nunca darão frutos
eu vou me
atravessar numa flor e fazer o meu limite no caule
e não traga
cordas para enlaçar os meus olhos
pois eles já
emigraram e já se instalaram em outro território
e agora eu
vou
ser oferenda
do meu soluço
me deitar
com os ponteiros do meu relógio
vai
que eu vou
tecer a manta para cobrir o meu corpo
e depois
abrir a tampa do céu
que eu só
quero dormir com as estrelas...
Me chamaram
num berro
e era berro
de dor
vivia ou
estava morta num tempo de caos
me
perguntavam em ruídos
me faziam
ternuras mão frias
caminhavam
pelo vidro dos meus olhos
jardim sem
flores
cancelaram
meu pseudo êxtase
havia sombra
nas pedras
e a terra
fermentava coágulos de sangue
eu
despertava com a sensação de ter possuído
a verdade
nascendo em meu ventre abstrato
cinza na
manhã que não chegou a amanhecer
a janela se
abriu
eu fui ao
encontro de um novo itinerário
nas
plataformas de ferro imensos pássaros sem asas me olhavam
seus pés
recolheram a minha cabeça
amarraram
meu cérebro
eu caminhei
inventei
versos
o dia estava
aberto
desenhei na
terra um sonho para o vento
MOMENTO atravessado
de flores
em alamedas
você
na figura do
pássaro
passado
poema
distanciado
na máquina
dentro do
corpo
você que
tinha reza nos olhos
música no
corpo
transgredia
os muros
avançava o
espaço
lacrava
minha figura
desfigurava-se
em azul no meu corpo
como um
arco-íris talvez...
NÃO há o fim
do arco íris
a visão não
é fixa
e nem presa
a estrela absurda
que me
contempla
anda
descalça pelos musgos
meus pés
molhados
serão meus
pés?
O anjo
brinca na roda que não é de ciranda
e nem de
ciranda mais é um tempo
que não é
mais criança
na cadeira
vazia há um lobo
sem ritmo de
brinquedo
as pancadas
são secas e descem pelo corpo
o corpo é o
fim da ave
e o caminho
não foi transcorrido
como não foi
a história que nem
foi e nem
foi vivida
o tempo
aciona a ausência de uma
lágrima que
ficou na umidade do ser
apenas uma
gota feito uma moldura de silêncio
os vidros
limitam a extensão
além delas
um relógio
...
que não é
mais música
na esquina a
fúria
no pátio
espalhada descansa uma
pomba já sem
movimentos
na esquina
oprimida o fim de uma rua
onde o sol
não tira mais a roupa
onde a vida
fabrica e repete
os cavalos
passam com suas crinas
marcam as
estradas
um perfil
frisa de nada
o que nada é
o que deixou
de ser
o chicote
faz o jogo
a náusea
cobre o corpo
no espaço
fica apenas o sofrer
a violência
silenciosa
da última
carabina
o caçador em
prantos
derruba o
sal dos olhos
deixa
escorrer
a náusea
mascarada de um
discurso
torturado
de um peixe
sem barbatanas
de um
pássaro
com suas
asas perdidas.
COMO uma
fruta descansa teus olhos em meu peito
como uma
jarra de cristal pousada sobre uma mesa é este amor tão desarrumado
é ágata e
pão teu corpo é o vale por onde nunca eu vou poder subir
acampo por
este estranho povoado que é a tua alma desconhecida
traço em
tuas costas um candelabro
planto nesta
pele desconhecida uma lua
estampo o
barril e tomo este vinho antigo na minha solitária jarra de alabastro
não há como
dividir este líquido
nem
terrestre nem marinho
penso que
este amor é apenas uma linha
o contorno
do bosque por onde apenas passeio
mas não tenho
mas não tenho
o gosto do
figo que não comi
o idioma que
eu não aprendi
a esmeralda
que eu não vesti
assim este
amor vai se desenrolando como um dicionário mudo
sem limites vou traçando um solitário caminho de rubis
trago
gaivotas
construo
vertentes
escolho os
grãos
absorvo os
atalhos
cautelosa
descanso no útero destes teus olhos
querendo ser
um escafandro brincando de ramagens neste corpo
que por ser
cântaro é água
apenas um
relâmpago
sem
velocidade nem guerra para este amor de pétalas
resta a mim
apenas a sombra do que pretendi
fico com o
enigma deste arquipélago
vigiando
este barco que pousa e descansa sobre as águas...
DESPIDO na
sombra
o anjo
lúdico e lúcido come o pão de pedra ganho no jogo
a chuva que
retorna e embota e apalpa e lambuza e arrasta
escorre e é
antiga como a noite antiga que o fechou
o guarda
chuva é de prata e é um ciclo que grita
reclama
se mune todo
e se torna
imagem dourada retida na primeira sombra de uma manhã que o assombra
e se colhe e
se recolhe e geme e treme embebido na sua longa asa anárquica
incerto se
detém e não é a paisagem que olha
e só no só
sem nó do azul
que se molha
e se banha e se lava no cheiro que embriaga porque é fruto
e como fruto
tem que ser apanhado comido e satisfeito
porque o
fruto é a imagem equipada aquática
o pólipo de
sua própria mascara nacarada melada de rugas e fibras
é ali no
rochedo mais alto que ele ressona insuflado e alquímico
preso pelas
liras que se enfiam nas correntes que o fazem gigante
esfinge
rasgada andante e inerte
venerável
bando de pássaros estes que fazem ninho na sua cabeça
emoldurado
por ervas e heras
se tinge de
cores na revoada louca
rasga a
corola
arma os
braços de polvo se debate entre o tiro e o abraço
pisa na
horta
massacra
tudo que foi plantado e grita e berra com sua lágrima de pus
que é azul
porque azul é a revoada que o define
pulsa anseia
suspeita
toma o
panorama de éter
e se larga
nas planícies pulsantes do sol
veste a
cartola cheia de pombas na sua cabeça de mágico
abre as
portas do circo
mas é na
vitrine que está desfilando com seu gorro de fitas
e seu punhal
de mel
pela
fotografia de domingo
pela chave
da porta
pelo vidro
da janela
por um
telegrama que não veio
pela mão que
não teve aperto
e se fez
galharia
pela
borboleta que se fez coração e não foi útero nem aroma
porque nada
viu nos corcéis tatuados no monólogo da manhã
que foi
fonte e choro
estrela
estéril emigra sem sementes
um navio que
não viaja
um coração
no fundo do chão coberto de latas
olha pelo
terraço do olho estampado
que se
antecipa e se planta
se
arrebentando nos bolsos de uma calça de latas
se veste com
seu paletó de metal
calça suas
botas de estilhaços
pendura a
sua gravata de barro
se esconde
na sua camisa de ferro
e rumina com
suas patas de mel
é do mel que
é apenas dor ele se faz estrada
e vai com o
remo nos olhos
com o
mormaço nas lembranças
sob as
colinas com seus guizos
desce as
montanhas com suas flautas
e não é mais
o anjo é ovelha
e da ovelha
naquela manhã só ficou a saudade de por um momento ser pastor
A MADRUGADA
entra
invade
penetra
e me executa
há solidão
há muito de
dor
estou
debaixo das pedras
o coração
demolido
enrolado nos
troncos
remando só
uma folha em
branco
não há
indicio
nada me
absorve
o coração
embrulhado
ganchos me
puxam não sei para onde
há um apelo
no frio
um grito
imenso e preso
paredes se
formam
guilhotinas
e agonia
escassez de
sono
um sopro
estendido
uma agulha
faz caminhos
sou uma
vertente
até quando
os passos e os soluços?
O caminhar
sem território
a camisa
aberta
o coração
nos pés...
Aonde?
Dentro das
manhãs
possuído pelas
noites
debruçado no
vento
transbordando
efêmero e
veloz
uma viela
um dia
inteiro
um fome
um relógio
o pulso
o sono
embrulhado
na minha memória
abraçado a
minha saudade
enrolado nas
minhas frases
de tocaia
nas minhas pálpebras
a constelação
dentro do meu peito
peso
enrolado nas minhas mãos
eu vou caindo
encostado
nos instantes
soco no teu
rosto
ajo no teu
corpo
me aninho no
rosto
um salmo na
minha solidão
do meu fundo
de quintal
minha
metáfora
partida e
chegada
náufrago
medula
minha raiz
meu campo
meu córrego
quero me
recolher
ficar em
silêncio dentro de mim mesma
cumprimentar
a minha alma
me estender
no fio do tempo
em vez de
prego
quero ser
pão
um pedaço de
manteiga
quero o
coração lambuzado
fragmentado
mastigado
quero o
fruto e o remo
ajuntar os
cacos
e fazer uma
rede para descansar meu coração medroso
tirá-lo do
escuro
banhá-lo de
nuvens
enche-lo de
ternura e liberdade
abrir
me amontoar
na ternura que me invade
quero ser
chão
terra
musgo
um céu
descoberto
quero me rolar na manhã
bocejar
um abraço
aberto e longo
cheio de
vestígio
quero me
definir nos meus ruídos
ser rebanho
e renda
cobrir a
vida com um pano colorido
guardar o
grande instante no meu bolso
abotoar o
coração
não deter o
curso
conseguir
atravessar as vigas
jogar um
lenço branco no meu silêncio
togar
guitarra para o sol
vem
se aproxima
do meu instante
passe pela
minha fronteira
abre a
vidraça
chegue cheio
de fadiga
de procissão
traga a tua
solidão
o novo
e o velho
a convulsão
e o incêndio
o coração
tramado
a alma
desatada
há que ligar
os fios da vida
há que
atravessar fazendo acrobacias no fim do mundo
vem inventar
ser inventor
contar
mentiras
contar
verdades
me falar das
formigas
das abelhas
ser ausência
e presença
do pacto
da sede
do ato
do rastro
do rugido
e da fome
monta no teu
cavalo voador
desce manso
pela atmosfera
que eu te
espero
no silêncio
do meu sono.
SOBRE a
minha cabeça
a noite
deposita uma saudade
afasto o
último espelho que possa refletir a minha dor
nos meus
pedaços te encontro nas linhas repartidas
e cada linha
segue uma estrada diferente
e tudo se
multiplica na distância
está tudo
tão dividido neste universo
que meu
reflexo hoje junto ao seu
nada mais é
que a desesperança alada
de um anjo
manco caminhando
só por uma
planície de ventos
não podias
chegar a mim
...
...
A cítara
que me fere
a alma
atroz junto
a um peito descolorido
uma procissão
de fantasmas
labiríntica moradia
de um
agarrar
de momentos
uma lágrima
breve no
ultimo sonho
de uma
ligação
interrompida
nenhum grito
apenas o
vulto de uma lembrança
que já ficou
velha
uma foto que
ficou é uma trama de possibilidades
imóveis
ocupando uma
respiração
deserta
na sacada
dos olhos a
ausência
de um
coração vazio.