quarta-feira, 29 de junho de 2016

+ POEMAS

Mais uma vez a madrugada cumpre seu destino
e eu mais uma vez estou aqui
meço a dimensão do horizonte
milhões de janelas iluminadas
dão a dimensão exata das milhões de presenças
entre elas tu
coberto pela névoa
um rosto debruçado sem traços
é também presença nesta noite
e me pergunto quem és
o fim do voo ou o início da viagem
arame ou placenta?
Quem és?
assim, vindo de tão longe...
sem rumos... sem regressos
locupletando-se na paisagem da noite
serás maresias ou abismos
dia ou noite
alguém sentado na soleira
ou alguém que brinca com as estrelas
aonde vais assim tão longe
e tão perto do céu
viajas sem bagagem?
Vai ficando ou vai mudando
laranja
mágico
ou pólvora
saberás me falar de tempos ou de prenúncios
tu que aí se escondes
em decúbito com as nuvens
serás o navegante ou a bússola
serás o barqueiro que atravessas o rio
ou o próprio barco riscando a água
o remanso ou o sono
o córrego ou a colmeia
porque tocas flauta para o sol?
porque tão de relâmpago e tão de libélula
vou ao tato
e te encontro no casulo
dormindo na tua cesta de eras
por que não deixas ninguém entrar por esta fresta?
Porque brincas com a agonia?
Onde estás?
Sobre as mãos do vento
ou no hálito da terra
deixarás o trinco aberto ou pregarás com imensos pregos a tua imensa porta
porque tão próximo e tão distante?
Subindo o poço? Ou atravessando a ponte?
Uma passagem para as gaivotas
ou um alçapão dentro das horas?
há que nascer
há que crescer
há que alastrar de esperança a tua chegada
alguém te protege dos ruídos da noite?
ou será que dormes com as estrelas?
Vives de instantes ou de sons e sinos?
Estás nos espelhos
ou vens com as marés?
serás grão ou colheita
serás o instante ou o extremo?
Como será o teu rosto
ou não os terá
será uma margem
será um pranto
será uma amora...
será um pombo ou um tigre
em que andaimes te escondes que o sol sempre chega primeiro
em que longitude silenciosa escondes a tua alma?
Em que espaço voa este pássaro?
Será mesmo pássaro ou um cristal?
Será que voa ou só ressoa
serás que caminhas ou só repousas
onde estás nesta madrugada...
tecerei um fio de ponta a ponta da cidade e descobrirei na tua moradia de nuvens
e me vestirei de espaço
e te convidarei para brincar comigo de armadilha no infinito...
mas será mesmo que eu quero te achar?
Não! Eu não quero te achar
Eu só quero chegar de manso...
sem fazer barulho
nem explicar nem decidir
regar o jardim que te dei
podar a árvore que te ofereci
colocar o sol no lugar certo
pendurar o arco-íris e as nuvens
e quem sabe deixar uma estrela para tuas noites...
aí vou tirar a minha roupa de jardineiro e deixar encostada nas raízes da tua árvore
e sairei sem olhar para trás
silenciosa e mansa assim como um dia cheguei
porque será tempo de ir
talvez mais adiante onde ninguém me alcance poderei deitar na relva e chorar...


VAI
figura de papel sonâmbula e abstrata
vai para bem longe
leve este teu corpo de celofane
leva os teus poros de vento
este teu corpo sem tempo
estes teus olhos de estátua
este teu cheiro de mormaço
tuas palavras de água
teus sonhos que relincham
pisa com teus cascos o meu rosto
morde todas as minhas palavras
esquece que um dia cheguei
fura os meus olhos
costura a minha boca
senta sobre o meu coração
porque eu quero ir embora
ficar na sombra
rolar na grama
me esgarçar
rasgar os meus pés em vidros
atravessar espelhos e deixar meu corpo navegando em sangue
espremer a fruta fortemente em minhas mãos e jogá-la no lixo
eu quero me mudar
ir com o primeiro trem que passar
sem saber para onde eu vou
e da janela dar adeus  a gaivota
quero a metáfora
e fazer um pacto com a liberdade
e também não quero saber onde vai terminar esta dor
quero um cão grande e bravo para guardar meu coração
e não quero me emprestar a mais ninguém
vai  o mais rápido possível
e não me peça para falar de estrelas
porque o céu que as abrigava está oco
não mova em gesto para me segurar porque meus olhos já rondaram o universo
e não vá me esperar aonde o trem fizer a curva porque eu não tenho
mais versos para te dar
não tente iluminar o meu caminho com um fósforo porque meus olhos
vão rejeitar a tua luminosidade
vai mais rápido que eu quero ficar no efêmero
quero ser palha
opaca e quebrada
quero apenas ser uma estampa no meu espaço
quero um guardião armado para ferir este sentimento que te vincula
em mim
eu vou ficar nas estações que nunca darão frutos
eu vou me atravessar numa flor e fazer o meu limite no caule
e não traga cordas para enlaçar os meus olhos
pois eles já emigraram e já se instalaram em outro território
e agora eu vou
ser oferenda do meu soluço
me deitar com os ponteiros do meu relógio
vai
que eu vou tecer a manta para cobrir o meu corpo
e depois abrir a tampa do céu
que eu só quero dormir com as estrelas...



Me chamaram num berro
e era berro de dor
vivia ou estava morta num tempo de caos
me perguntavam em ruídos
me faziam ternuras mão frias
caminhavam pelo vidro dos meus olhos
jardim sem flores
cancelaram meu pseudo êxtase
havia sombra nas pedras
e a terra fermentava coágulos de sangue
eu despertava com a sensação de ter possuído 
a verdade nascendo em meu ventre abstrato
cinza na manhã que não chegou a amanhecer
a janela se abriu
eu fui ao encontro de um novo itinerário
nas plataformas de ferro imensos pássaros sem asas me olhavam
seus pés recolheram a minha cabeça
amarraram meu cérebro
eu caminhei
inventei versos
o dia estava aberto
desenhei na terra um sonho para o vento


MOMENTO atravessado
            de flores
            em alamedas
você
na figura do pássaro
            passado
poema distanciado
na máquina
dentro do corpo
você que tinha reza nos olhos
música no corpo
transgredia os muros
avançava o espaço
lacrava minha figura
desfigurava-se em azul no meu corpo
como um arco-íris talvez...



NÃO há o fim do arco íris
a visão não é fixa
e nem presa a estrela absurda
que me contempla
anda descalça pelos musgos
meus pés molhados
serão meus pés?
O anjo brinca na roda que não é de ciranda
e nem de ciranda mais é um tempo
que não é mais criança
na cadeira vazia há um lobo
sem ritmo de brinquedo
as pancadas são secas e descem pelo corpo
o corpo é o fim da ave
e o caminho não foi transcorrido
como não foi a história que nem
foi e nem foi vivida
o tempo aciona a ausência de uma
lágrima que ficou na umidade do ser
apenas uma gota feito uma  moldura de silêncio
os vidros limitam a extensão
além delas um relógio
...
que não é mais música
na esquina a fúria
no pátio espalhada descansa uma
pomba já sem movimentos
na esquina oprimida o fim de uma rua
onde o sol não tira mais a roupa
onde a vida fabrica e repete
os cavalos passam com suas crinas
marcam as estradas
um perfil frisa de nada
o que nada é
o que deixou de ser
o chicote faz o jogo
a náusea cobre o corpo
no espaço fica apenas o sofrer
a violência silenciosa
da última carabina
o caçador em prantos
derruba o sal dos olhos
deixa escorrer
a náusea mascarada de um
discurso torturado
de um peixe sem barbatanas
de um pássaro
com suas asas perdidas.


COMO uma fruta descansa teus olhos em meu peito
como uma jarra de cristal pousada sobre uma mesa é este amor tão desarrumado
é ágata e pão teu corpo é o vale por onde nunca eu vou poder subir
acampo por este estranho povoado que é a tua alma desconhecida
traço em tuas costas um candelabro
planto nesta pele desconhecida uma lua
estampo o barril e tomo este vinho antigo na minha solitária jarra de alabastro
não há como dividir este líquido
nem terrestre nem marinho
penso que este amor é apenas uma linha
o contorno do bosque por onde apenas passeio 
mas não tenho
o gosto do figo que não comi
o idioma que eu não aprendi
a esmeralda que eu não vesti
assim este amor vai se desenrolando como um dicionário mudo
sem limites vou traçando um solitário caminho de rubis
trago gaivotas
construo vertentes
escolho os grãos
absorvo os atalhos
cautelosa descanso no útero destes teus olhos
querendo ser um escafandro brincando de ramagens neste corpo
que por ser cântaro é água
apenas um relâmpago
sem velocidade nem guerra para este amor de pétalas
resta a mim apenas a sombra do que pretendi
fico com o enigma deste arquipélago
vigiando este barco que pousa e descansa sobre as águas...


DESPIDO na sombra
o anjo lúdico e lúcido come o pão de pedra ganho no jogo
a chuva que retorna e embota e apalpa e lambuza e arrasta
escorre e é antiga como a noite antiga que o fechou
o guarda chuva é de prata e é um ciclo que grita
reclama
se mune todo
e se torna imagem dourada retida na primeira sombra de uma manhã que o assombra
e se colhe e se recolhe e geme e treme embebido na sua longa asa anárquica
incerto se detém e não é a paisagem que olha
e só no só sem nó do azul
que se molha e se banha e se lava no cheiro que embriaga porque é fruto
e como fruto tem que ser apanhado comido e satisfeito
porque o fruto é a imagem equipada aquática
o pólipo de sua própria mascara nacarada melada de rugas e fibras
é ali no rochedo mais alto que ele ressona insuflado e alquímico
preso pelas liras que se enfiam nas correntes que o fazem gigante
esfinge rasgada andante e inerte
venerável bando de pássaros estes que fazem ninho na sua cabeça
emoldurado por ervas e heras
se tinge de cores na revoada louca
rasga a corola
arma os braços de polvo se debate entre o tiro e o abraço
pisa na horta
massacra tudo que foi plantado e grita e berra com sua lágrima de pus
que é azul porque azul é a revoada que o define
pulsa anseia suspeita
toma o panorama de éter
e se larga nas planícies pulsantes do sol
veste a cartola cheia de pombas na sua cabeça de mágico
abre as portas do circo
mas é na vitrine que está desfilando com seu gorro de fitas
e seu punhal de mel
pela fotografia de domingo
pela chave da porta
pelo vidro da janela
por um telegrama que não veio
pela mão que não teve aperto
e se fez galharia
pela borboleta que se fez coração e não foi útero nem aroma
porque nada viu nos corcéis tatuados no monólogo da manhã
que foi fonte e choro
estrela estéril emigra sem sementes
um navio que não viaja
um coração no fundo do chão coberto de latas
olha pelo terraço do olho estampado
que se antecipa e se planta
se arrebentando nos bolsos de uma calça de latas
se veste com seu paletó de metal
calça suas botas de estilhaços
pendura a sua gravata de barro
se esconde na sua camisa de ferro
e rumina com suas patas de mel
é do mel que é apenas dor ele se faz estrada
e vai com o remo nos olhos
com o mormaço nas lembranças
sob as colinas com seus guizos
desce as montanhas com suas flautas
e não é mais o anjo é ovelha
e da ovelha naquela manhã só ficou a saudade de por um momento ser pastor


A MADRUGADA
entra
invade
penetra
e me executa
há solidão
há muito de dor
estou debaixo das pedras
o coração demolido
enrolado nos troncos
remando só
uma folha em branco
não há indicio
nada me absorve
o coração embrulhado
ganchos me puxam não sei para onde
há um apelo no frio
um grito imenso e preso
paredes se formam
guilhotinas e agonia
escassez de sono
um sopro estendido
uma agulha faz caminhos
sou uma vertente
até quando os passos e os soluços?
O caminhar sem território
a camisa aberta
o coração nos pés...

Aonde?
Dentro das manhãs
possuído pelas noites
debruçado no vento
transbordando
efêmero e veloz
uma viela
um dia inteiro
um fome
um relógio
o pulso
o sono
embrulhado na minha memória
abraçado a minha saudade
enrolado nas minhas frases
de tocaia nas minhas pálpebras
a constelação dentro do meu peito
peso enrolado nas minhas mãos
eu vou caindo
encostado nos instantes
soco no teu rosto
ajo no teu corpo
me aninho no rosto
um salmo na minha solidão
do meu fundo de quintal
minha metáfora
partida e chegada
náufrago
medula
minha raiz
meu campo
meu córrego
quero me recolher
ficar em silêncio dentro de mim mesma
cumprimentar a minha alma
me estender no fio do tempo
em vez de prego
quero ser pão
um pedaço de manteiga
quero o coração lambuzado
fragmentado
mastigado
quero o fruto e o remo
ajuntar os cacos
e fazer uma rede para descansar meu coração medroso
tirá-lo do escuro
banhá-lo de nuvens
enche-lo de ternura e liberdade
abrir
me amontoar na ternura que me invade
quero ser chão
terra
musgo
um céu descoberto
quero  me rolar na manhã
bocejar
um abraço aberto e longo
cheio de vestígio
quero me definir nos meus ruídos
ser rebanho e renda
cobrir a vida com um pano colorido
guardar o grande instante no meu bolso
abotoar o coração

não deter o curso
conseguir atravessar as vigas
jogar um lenço branco no meu silêncio
togar guitarra para o sol
vem
se aproxima do meu instante
passe pela minha fronteira
abre a vidraça
chegue cheio de fadiga
de procissão
traga a tua solidão
o novo
e o velho
a convulsão
e o incêndio
o coração tramado
a alma desatada
há que ligar os fios da vida
há que atravessar fazendo acrobacias no fim do mundo
vem inventar
ser inventor
contar mentiras
contar verdades
me falar das formigas
das abelhas
ser ausência
e presença
do pacto
da sede
do ato
do rastro
do rugido
e da fome
monta no teu cavalo voador
desce manso pela atmosfera
que eu te espero
no silêncio do  meu sono.

SOBRE a minha cabeça
a noite deposita uma saudade
afasto o último espelho que possa refletir a minha dor
nos meus pedaços te encontro nas linhas repartidas
e cada linha segue uma estrada diferente
e tudo se multiplica na distância
está tudo tão dividido neste universo
que meu reflexo hoje junto ao seu
nada mais é que a desesperança alada
de um anjo manco caminhando
só por uma planície de ventos
não podias chegar a mim
...

...
A cítara
que me fere a alma
atroz junto a um peito descolorido
uma procissão de fantasmas
labiríntica moradia de um
agarrar
de momentos
uma lágrima breve no
ultimo sonho de uma
ligação interrompida
nenhum grito
apenas o vulto de uma lembrança
que já ficou velha
uma foto que ficou é uma trama de possibilidades
imóveis
ocupando uma respiração
deserta
na sacada dos olhos a
ausência
de um coração vazio.